Transformação Organizacional e escala: Como a biologia influencia o crescimento de organizações


Segundo estudos existe um limite  biológico no tamanho de um grupo para que as pessoas continuem se sentindo uma comunidade de maneira natural. Como levar esse conhecimento ao pensar o crescimento e a escala de empresas?

Nesse texto vou apresentar uma teoria que delimita o tamanho máximo de um grupo social ou organização no qual a criação de comunidades se dá de maneira natural. A partir desse número, esforços intencionais de criação de estruturas e de transformação organizacional são necessários. Também falarei um pouco sobre um sentimento de saudosismo que as vezes surge com o crescimento, o Passado Mítico, e termino trazendo algumas experiências reais com esses temas e dicas de como lidar com a escala do ponto de vista de transformação.


Número de Dunbar e o Passado Mítico

O número de Dunbar

Uma vez fiz um treinamento sobre política e burocracia em empresas, e como isso influencia o trabalho de consultoria, com um grande guru da consultoria. Ele trouxe algumas ferramentas práticas, na forma de modelos conceituais para se analisar  mais metodicamente aspectos como políticas,  burocracias em empresas. Sejam as nossas empresas ou sejam empresas clientes, no caso profissionais de consultoria. Uma dessas ferramentas era o Número de Dunbar.

Esse é um número que delimita a quantidade máxima de conexões/relações pessoais que uma pessoa pode manter  ao mesmo tempo, em dado grupo social do qual essa pessoa é parte. Esse número foi proposto originalmente por um antropólogo, com base em estudos neurológicos: de acordo com o tamanho do nosso córtex cerebral e com a quantidade de neurônios  ativos ao mesmo tempo necessária para mantermos relações sociais.  Posteriormente foi validado em várias áreas como psicologia, administração, exércitos, igrejas, dentre outros.  Claro que como toda teoria que tenta quantificar relações humanas, há também muitas críticas e vários refinamentos. Os mais recentes tentam colocar essa teoria no novo mundo da internet e das relações online devido a nova natureza das relações que agora é em parte socio-técnica.

Foto de uma multidão aglomerada em um mesmo lugar
Fonte: http://www.jornalissimo.com/curiosidades/294-quantas-pessoas-ha-no-mundo

Finalmente, o número mágico é 150, embora haja variações devido a ser uma aproximação. Ao tentar provar esse número, alguns dados foram  analisados no decorrer dos anos. Claro que se procurarmos bem, quase sempre achamos os números que corroboram o que queremos mostrar, mas assim mesmo achei curioso procurar esses dados. As referências serão em inglês, peço licença a quem não domina a língua, mas foi o que encontrei no momento:

  • The average group size among modern hunter-gatherer societies (where there was accurate census data) was 148.4 individuals.
  • Company size in professional armies are usually  a hundred and fifty, from the Roman Empire to sixteenth-century Spain to the twentieth-century Soviet Union. Those companies formes battalions which are bigger.
  • Durham University anthropologist Russell Hill examined the destinations of Christmas cards sent from households all over the U.K.. “When you looked at the pattern, there was a sense that there were distinct subgroups in there,” Dunbar said. If you considered the number of people in each sending household and each recipient household, each individual’s network was composed of about a hundred and fifty people.
  • Bruno Gonçalves at Indiana University at Bloomington looked at whether Twitter had changed the number of relationships that users could maintain over a six-month period, they found that, despite the relative ease of Twitter connections as opposed to face-to-face one, the individuals that they followed could only manage between one and two hundred really stable connections.

Há referências em livros de administração, teorias e matérias sobre número máximo de amigos que uma pessoa pode ter, etc. Tem umas correlações entre tamanho de uma festa na qual todos ainda se portariam como pessoas próximas, mantendo contato social real.

O entendimento geral é de que a partir desse número próximo a 150, estruturas mais formais se tornam necessárias – em especial estruturas de balanço de poder ou de comunicação – para garantir efetividade do grupo. Mais políticas e mais burocracias se tornam necessárias, e aqui estou usando esses termos no bom sentido. Também, a partir desse tamanho, as pessoas não se conhecem mais todas à todas, deixando de existir  uma grande comunidade. Participações em eventos sociais tendem a diminuir, etc.

Algumas experiências pessoais

Já trabalhei em variados tamanhos de empresas e para uma quantidade ainda maior de tamanhos de empresas como consultor. Já passei por startups de 10 pessoas, empresas consolidadas em 30, empresas de 5.000 pessoas. Também já passei por situações onde o crescimento ocorreu e eu puder vivenciar o cruzamento dessa barreira das pessoas 150. Assumindo o risco de essa reflexão agora ser enviesada pela leitura sobre o assunto, minha memória me diz que essa teoria parece sim ter sentido. Em todas as vezes que atuei em grupos menores havia mais sentimento de comunidade e pertencimento, claro que nunca sai contando para ver se cruzava a barreira de 150. Mesmo quando se tratava do tamanho de um departamento em específico dentro de uma empresa maior. E já vivi o crescimento de uma empresa que cruzou esse número no decorrer dos anos. A percepção geral é de que sim, na maioria das vezes há sentimentos de que perdeu-se um pouco de “comunidade“.  Estudar essa teoria só confirmou isso e me deu  mais ferramental para lidar com a situação.


Passado mítico

Há algo que vejo com frequência ao conversar com pessoas em empresas, em especial quando se trata de iniciativas de transformação organizacional.  Um tipo de referência a um passado mítico, ou até mesmo mitos criacionistas. Quero dizer com isso que muitas pessoas têm um sentimento de que “antes era melhor“. Quando chamo esse saudosismo de passado mítico? Quando não se sabe se existiu mesmo esse passado ou – e em algumas situações é possível medir isso – toda a análise mostra que não era assim.

Representação de uma deusa da mitologia japonesa
Fonte: http://mundo-nipo.com/cultura-japonesa/mitos-e-lendas/

E o que tem a ver com o número de Dunbar? É que no caso de crescimento de empresas, não raro vejo essa característica de mudanças nas dinâmicas, que passam a ser necessárias para o convívio a partir de certo tamanho, serem confundidas com juízos de valor. Um pensamento de que o passado era melhor, quando na verdade era apenas diferente. Não raro se esquece de outros aspectos menos atrativos da pequena empresa ou da startup, como a quase sempre existente carga de trabalho, stress, falta de orçamento, etc. Já vi pessoas que nem estavam na empresa nessa outra época carregando esse saudosismo de como seriam as coisas nesse passado mítico.


Escala não é ruim, é uma transformação

Ganhar escala em geral é  bom. Aumenta o potencial de impacto, aumenta o potencial de ganho financeiro, aumenta a criatividade através da entrada de novas pessoas e novas culturas, aumenta o potencial de sobrevivência da empresa, a possibilidade de investimentos em coisas legais, e em muitos modelos de negócios o crescimento é essencial até para manter os salários aumentando. Mas paro por aqui, benefícios de se escalar não é o foco desse texto.

O ponto é: durante muito tempo eu mesmo pensava em escala como algo ruim, que abalava a cultura. Hoje vejo que entender como a escala funciona, inclusive através de se pensar sobre o número de Dunbar, e saber que em algum momento uma quebra ocorre, é se preparar para encarar um novo e necessário desafio. Quando pensava no crescimento como algo ruim, eu estava abrindo possibilidade para vieses – mesmo que inconscientes – que poderiam me levar a decisões erradas.

No caso da cultura, deve-se definir claramente que elementos culturais são valorizados pela empresa e tangibilizar mais esses valores,  então analisar como esses elementos culturais e valores se manifestam nas diferentes escalas e momentos. Não necessariamente a manifestação diferente de um valor, dada uma nova situação, significa que esse valor não existe mais. Para a comunicação, deve-se criar novas estruturas e comunidades, sobre as quais falarei em outro momento. Quando se cresce a partir de certo ponto, há uma transformação organizacional não só de escala (fazer o mesmo, só que mais) mas de estrutura (fazer diferente), e é necessário trabalhar para que seja uma transformação positiva.

O texto e a reflexão se basearam muito no limitante definido por Dunbar, que seria o número de 150 pessoas, mas é importante levar essa ideia para cada caso e entender quando essa necessidade de transformação se torna necessária. Pode ser um número bem menor, ou maior. Pode ser o crescimento de uma startup ao se tornar uma empresa média, pode ser o crescimento de uma unidade organizacional dentro da empresa como um escritório em específico.

A chave é entender quando e como são necessárias transformações e inovações intencionais nas estruturas, para planejar o crescimento sem engessamento e sem perda de valores ou cultura.

 


Discussão:

Editado: Recebi uma informação interessante de um pesquisador/leitor, com a seguinte informação:

Sobre o o número máximo de pessoas num grupo, sem rupturas, li em Yuval Harari em Uma Breve História da Humanidade, que um bando de chipanzés não vai além de 50 e que os humanos também tem um limite, e menor. Nestes sempre que os grupos crescem há rupturas. Uma coisa curiosa, pra mim pelo menos, é que pesquisas sociológicas, diz este autor, as ligações por via da fofoca – sim, fofoca- podem chegar a cerca de 150. pode ver, na edição 11ª que li, na página 34 e 35.

Achei interessante essa informação. De certa forma corrobora a teoria de que a partir de um tamanho é necessária uma transformação organizacional (mudar estruturas) e não apenas fazer mais do mesmo (crescimento em escala). Mas por outro lado trás dados mais ricos, não só no tocante ao limite em si, que embora menor nessa fonte continue existindo, mas mais do que isso, no tocante à fofoca. É algo em que preciso pensar e experimentar nas minhas consultorias pra entender como esse dado pode ajudar nas transformações, e é provável que possa sim. Ainda não li o Uma Breve História da Humanidade, mas já tinha algumas boas recomendações, acho que preciso priorizar ele.

 

Referências:

 


 

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