Tecnologia é a parte fácil em uma Transformação Digital

Cérebro digital formado por pequenos pedaços de circuitos
Fonte: https://commons.wikimedia.org/

 

Iniciativas de Transformação Digital baseadas somente em tecnologia provavelmente vão falhar!

 

“Muitas das iniciativas de transformação digital se baseiam apenas em departamentos ou pessoal de tecnologia. Essa  é uma receita para o fracasso.”

 

Esse texto reflete algumas opiniões pessoais baseadas em vivências práticas do dia a dia em projetos de tecnologia desde a década de 90, em especial nos últimos 5 anos como consultor e atualmente Gerente Geral da Thoughtworks, uma consultoria de tecnologia para a transformação de negócios presente em 15 países há mais de 20 anos.

E o que quero apresentar hoje é um Antipadrão, ou seja uma prática comum porém frequentemente inefetiva e muitas vezes contra-produtiva para um problema recorrente, causando de forma geral mais problemas do que benefícios.

O Antipadrão que mais vejo em iniciativas ou mesmo conversas sobre transformação digital hoje em dia é:

 

Empresas partem da premissa de que iniciativas de transformação digital se dão dentro de seus departamentos de tecnologia.

 


O que é a Transformação Digital?

 

Antes, vamos alinhar alguns conceitos.

Faço parte de um Comitê de Transformação Digital em Porto Alegre, organizado pela AMCHAM e no qual participam inúmeras lideranças e pessoas tomadoras de decisão de parte das maiores empresas presentes na cidade, além de pessoas da academia e algumas startups. Em um de nossos encontros discutimos como o grupo definiria transformação digital. Copio aqui minhas notas adaptadas sobre o resultado desse encontro, para termos uma base de entendimento comum do que chamo de Transformação Digital nesse texto:

 

Transformação Digital

Um conjunto de transformações na cultura e no negócio que possibilitem ofertas evolutivas de novas experiências através das possibilidades tecnológicas. Experiências essas que gerem valor através de novas relações dos clientes – com a empresa e entre si. A tecnologia deixa de ser uma ferramenta e passa a estar junto à estratégia, trazendo também o cliente para a concepção de novas propostas de valor.

 


Tecnologia é a parte fácil

 

Convivo diariamente com pessoas excelentes e que se dedicam muito em se tornarem melhores tecnologistas em vários papéis. Vejo uma grande quantidade de profissionais altamente apaixonadas e gabaritadas. Há também todo um ecossistema hoje que ajuda muito a aplicação e evolução de tecnologias. Podemos pensar em informações disponíveis (stack overflow, code school e outros), preços de equipamentos relativamente baixos (e ainda caindo), tecnologias de nuvem (agora escalar serviços e infra-estrutura é tranquilo), tecnologias de IoT e hardware mais baratas e permitindo prototipação rápida, etc. etc. etc.

Com tudo isso, ao se iniciar uma empreitada de Transformação Digital com  pessoas capacitadas e no estado atual do ecossistema tecnológico, tecnologia é a parte mais fácil.

 


Transformação digital é entender a natureza humana

 

Se transformar departamentos de tecnologia não é a maior dificuldade de uma iniciativa de transformação digital, qual é?

Vemos que Transformação Digital tem a ver com levar a tecnologia e o cliente final para o centro do negócio e para criação de propostas de valor, principalmente através da criação de novas experiências.

  1. É necessário então entender  a nova economia, cada vez mais baseada na experiência do que na posse.
  2. E é necessário entender a nova consumidora,  mais conectada e global, entendê-la enquanto ser humano.
  3. Também é necessário agilidade organizacional, abertura e adaptabilidade para evoluir as ofertas e experiências de acordo às novas pessoas e às novas possibilidades tecnológicas que surgem a uma velocidade cada vez maior.

 

Trata-se de ressignificar o papel da tecnologia dentro da empresa – e para as pessoas – através de uma mudança muito mais ampla e estrutural de toda a organização, e não de novos processos dentro do antigo departamento de tecnologia.

Conseguir sucesso nessa transformação inclui várias coisas como: entregas rápidas e com ciclos curtos de feedback e aprendizado, abraçar o erro como forma de aprendizado (e saber aprender de fato com o erro enquanto se gestiona riscos), entender que muitas vezes não teremos todas as respostas em tempo de planejamento, mas que aprenderemos durante o processo. Equipes inclusivas e empáticas, dentre tantas outras coisas mais.

 


Resistência à Transformação

Abandonar certas crenças, hábitos e processos do presente, criados no passado e enraizados ao longo dos anos, é algo difícil e as vezes causa medo. Mas não é impossível. É preciso sair da zona de conforto e se reinventar no próprio papel dentro da organização,  estando disposta a fazer diferente.

 

Diferentes áreas de uma organização impõem diferentes níveis de resistência a uma transformação. Em quaisquer dessas áreas, sempre estamos falando também em mudanças nas pessoas e culturas (além de ferramentas e processos), e muitas vezes essas são as mudanças mais difíceis.

 

Gráfico mostrando a resistência à transformação de acordo com a área

Nesse texto não vou entrar em detalhes de cada uma dessas resistências já que não é o foco, mas vale comentar um ponto: quando vemos uma alta taxa de resistência na Gestão, é interessante destacar a diferença entre Liderança e Gestão. Muitas vezes a liderança entende a necessidade de se adaptar ao novo mundo, mas a camada de gestão não consegue adaptar suas atividades e métricas do dia a dia.

Algo que se tira desse entendimento é que em termos de investimento, não é eficiente pensar em transformação com uma estratégia em etapas totalmente separadas,  principalmente quando a etapa inicial é confinada dentro dos silos da área de tecnologia. Na maioria dos casos as pessoas dessa área abraçarão as mudanças como algo muito bem vindo, evidenciando pouca resistência. Mas passado esse silo inicial, que teve prováveis investimentos altos em ferramentas e processos, a iniciativa tem sua maior chance de falhar em outros momentos, gerando desperdício.

 


E como fazer então?

 

Não há uma resposta simples aqui, e por hoje minha ideia era apenas sugerir pensar sobre esse anti-padrão e com isso tentar evitar cair em alguma armadilha de maneira inconsciente.

Ainda assim, explorando um pouquinho essa questão do “como”, para finalizar o texto: gosto de pensar nas ideias do Lean e das metodologias ágeis de desenvolvimento de software, no sentido de pensar em um piloto, talvez menor em impacto  (mas também menor em riscos caso falhemos algumas vezes nesse aprendizado). E pensar em um recorte transversal para esse piloto, que envolva todo o ciclo de negócios e todas as áreas da organização, não se atendo a silos, pois parte da transformação se dará nas relações entre áreas.

Outras coisas interessantes a se levar em conta:

  • Plataformas que permitam a criação de novos produtos de maneira rápida, e que permitam pivotar esses produtos às medida em que aprendemos, são importantes.
  • Saber lidar com o legado, criando estratégias de coexistência, que possibilitem continuar capitalizando com produtos antigos enquanto insere-se e evolui-se os novos, pode ser chave.
  • Também é importante o balanço entre não ter medo de se utilizar novas tecnologias e entender que nem sempre o mais novo é o melhor em todos os casos, temos que pensar em valor de negócios mais do que deixar paixões por tecnologias específicas serem o principal componente de uma decisão. Estratégias de tecnologia, ou publicações como o Radar de Tecnologia (link externo) podem ajudar a manter o foco nesse quesito.
  • Equipes e cultura inclusivas, representativas e empáticas.

 

Começar pequeno,  testar hipóteses e coletar feedbacks logo,  aprender com isso. E começar de novo…

 

No caso de seguir essa linha de começar com um piloto é importante selecionar bem o projeto certo para esse piloto. Eu gosto de algo visível e impactante em caso de sucesso (uma nova experiência, uma nova funcionalidade, que tal experimentar com tecnologias emergentes como Realidade Aumentada ou IoT?), mas que não coloque a empresa em risco em caso de fracasso no primeiro ciclo de aprendizado (por exemplo, evitar um piloto que altere muito o núcleo atual do negócio em termos de geração de renda). E também pensar nas pessoas ideais representando cada área a ser envolvida e, portanto, transformada. Um projeto piloto ideal é cercado por pessoas ousadas, dispostas a arriscar, a sair da área de conforto e aprender com isso.

 


 

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Referências: