Decisões colaborativas através de Arenas de Decisão

Você tem que tomar uma decisão quando há muitas variáveis a se considerar e há também um grande número de pessoas  interessadas nos resultados e com propostas diferentes de solução. Há modelos que podem ajudar, e um deles é o de Arena de Decisões.

 

Esse é o quarto texto da série sobre decisões e processos decisórios, se ainda não leu pode se interessar em ler Decisões, um bônus da liderança? , que é a introdução à série. Aqui será apresentado um modelo de processo decisório colaborativo a que chamo de Arena de Decisão. A seguir, comentários sobre situações onde este modelo se aplica bem, e finalmente dois exemplos práticos onde ele foi aplicado com sucesso.

 


Arenas de Decisões

Cabe à liderança garantir e trabalhar para que  decisões sejam tomadas, mas as vezes é possível a criação de estruturas que permitam decisões mais colaborativas, e nesse caso caberia à liderança a criação de tais estruturas. Encontrei na literatura estudos sobre um processo decisório interessante para esses casos, chamado de modelo da Lata de Lixo (ou Garbage Can Decision Process). Assim, com esse nome original, é mais fácil encontrar materiais de referência, mas pessoalmente sinto certa relutância em usar esse nome, que me parece pejorativo. Então vou usar Arena de Decisão em vez de Lata de Lixo daqui pra frente. Li sobre esse segundo termo em outro contexto, estudando decisões na política, e gostei mais de chamar assim. Minha ideia aqui não é explorar exaustivamente esse modelo de um aspecto teórico, e sim apresentar do que se trata resumidamente, compartilhar dois casos e meus aprendizados pessoais. É importante notar que os exemplos não se tratam necessariamente de estudar algo e levar esse algo para o trabalho “à força”, é muito mais na linha de analisar algumas situações  e usar esse trabalho analítico para tentar ajustar as coisas ou fazer sentido delas da melhor maneira possível.

 


Processo decisório baseado em Arenas de Decisão

 

Teatro grego na forma de arena
Fonte: https://commons.wikimedia.org/

Antes de dizer o que é uma Arena de Decisão, vou apresentar um cenário onde esse processo tende a ser uma boa escolha. Imagine uma situação onde há uma infinidade de variáveis a se considerar, há também um grande número de pessoas diferentes  interessadas nos resultados e com propostas diferentes de solução. Isso leva a um coletivo de muitos interesses individuais, mas que se somam em um todo coeso que é a organização ou empresa. Conflitos e buscas de consenso aparecem com frequência. E a decisão deve ser tomada dentro de um tempo hábil.

Dá pra imaginar a complexidade disso cabendo a uma única pessoa, não é? Pense em várias decisões assim por mês, ou por semana.

Nesse tipo de situação uma possibilidade é implementar uma estrutura de Arenas de Decisão. Ou seja, cabe à liderança deixar claras as regras do jogo (como funciona o negócio, qual o nível de autonomia para essas decisões, etc.), as restrições (orçamento, tempo,etc.), e principalmente, quais os objetivos e propósitos.  Dado esse contexto (decisões exigem transparência, que por sua vez exige contexto!), o segundo passo é abrir espaços, ou Arenas, onde as decisões serão tomadas. Arenas podem ser reuniões, assembléias, ferramentas on-line, grupos. Os participantes dessas arenas podem ser selecionados de maneira democrática (quem quiser participar pode participar) ou hierárquica (é necessário certo papel na estrutura hierárquica da organização para participar). Na Arena, os participantes levam problemas, desejos, alternativas de soluções, prioridades, e convergem isso tudo para uma decisão baseada senão em consenso ou pelo menos em consentimento. Há muito mais detalhes e discussões sobre esse modelo em estudos mais formais,  mas deixo isso para a literatura especializada. Por hora, vou para os dois casos práticos e meus aprendizados.

 


Dois exemplos

Arena 1: Processo de staffing, ou formação de times

 

Um dos casos foi em formação de equipes para uma empresa de consultoria. O contexto é: há um número de pessoas consultoras, cada uma delas com competências e experiências distintas, e um número de projetos (ou clientes) que serão servidos por times formados por essas pessoas. Quando surge a necessidade de novas equipes ou mudanças em equipes existentes uma decisão de formação de equipes (ou decisão de staffing) é necessária. Há uma série de fatores nessa decisão como as necessidades dos clientes, os desejos individuais de cada pessoa, os planos de desenvolvimento de capacidades de cada pessoa, o impacto quando se altera  um time que continuará existindo, e assim por diante. Há um tempo para a decisão (por exemplo, quanto tempo um  novo cliente está disposto a esperar pela formação do time).  Esse problema poderia ser resolvido de maneira centralizada (uma gerente decidiria quem vai pra que time). Poderia também ser resolvido com um modelo de análise racional  ou algum tipo de fórmula, por exemplo, monta-se um time com as primeiras pessoas disponíveis, à revelia de capacidades específicas ou desejos individuais. Mas também se vê que a situação se enquadra naquelas características citadas onde o modelo de Arena de Decisão se aplica. Como isso se resolveu nesse caso? Criou-se uma arena de decisão (na verdade há várias, em vários níveis: região, país, escritório… e que se correlacionam em cascata, mas vou simplificar). É uma arena de decisão cuja participação tem característica hierárquica: os participantes entram na arena representando um papel específico, de representantes de cada equipe (gerentes de projeto, líderes técnicas, ou seja lá que nome queira se dar). Essas arenas são na forma de reuniões periódicas, chamadas de Reuniões de Staffing. Nessas reuniões se decide como será a nova composição das equipes com bases nas necessidades trazidas por todos, nas idéias de soluções trazidas por todos, nas discussões que ali se dão. Nesse caso descobriu-se a necessidade de pessoas com a função de facilitar essas discussões e de fazer a ponte que conecta as diversas arenas. Ainda há oportunidades de melhorias no tempo de resposta, mas as decisões são sempre tomadas, ouvindo-se ideias de todo o grupo (ou de quem optou participar da Arena de Decisão naquele dia), e sem controle centralizado ou micro-gerenciamento de executivos ou outros. Em se tratando da formação de times, que são justamente a unidade básica de geração de valor e, em última instância a de garantia de sobrevivência de uma empresa de consultoria, é interessante ver tal decisão se dando assim. A empresa vem executando os projetos com bastante sucesso há vários anos, para clientes de vários países e nas mais diferentes verticais da indústria.

 

Arena 2: Investimentos em eventos

 

Parte do orçamento de um centro de desenvolvimento de software era destinada a realização de eventos, como conferências, palestras e outros. Algumas vezes se tratava de organizar um  evento para a comunidade ou clientes, em outras vezes era na forma participação de pessoas em eventos existentes, como congressos. Durante algum tempo cabia à liderança aprovar, priorizar ou selecionar os pedidos de patrocínio para tais eventos. Isso levava a mais carga operacional para a liderança, à frustração de algumas pessoas que não tinham seus pedidos de patrocínio analisados a tempo, e – o mais importante – ao desperdício de um grande potencial de pessoas ótimas tendo ideias de quais os melhores eventos, dados os objetivos da empresa. Afinal, centenas de pessoas pensam melhor que uma. Foi aplicada uma variação do modelo de Arena de Decisão. A liderança conversou com um grupo de pessoas interessadas em eventos apresentando as restrições (basicamente algumas restrições legais e orçamento disponível), a visão (em que tipo de áreas estavam interessados em se tornar referência), e não muito mais que isso. Essa Arena de Decisão se formou como um grupo que se comunica assincronamente por e-mail como via de regra e em reuniões, sob demanda. Qualquer pessoa pode indicar um novo evento. Quando há eventos a se patrocinar, o grupo decide quais e como. Nesse caso, é uma arena tem entrada democrática, ou seja, quem quiser fazer parte do processo decisório simplesmente decide ir (sem necessidade de papel específico). Durante um ano, dezenas de eventos ocorreram, um dos eventos foi considerado o maior do mundo em sua categoria, mais de mil pessoas visitaram a empresa, entre elas possível clientes e candidatos. E o orçamento ficou abaixo do planejado! Lideranças naturais acabaram surgindo, essas pessoas foram chave para o sucesso da iniciativa, mas isso surgiu organicamente e através de autonomia e alinhamento ao propósito dessas pessoas, sem necessidade nenhuma de micro-gerenciamento.

 

Algumas vezes cabe à liderança criar estruturas para que as decisões sejam tomadas pelo grupo. Prover alinhamento, visão e restrições é essencial nesses casos, bem como fomentar autonomia e confiança.


 

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Referências: