Existe uma lógica melhor para decisões em momentos de crise?

Cotopaxi em erupção
Fonte: imagem própria

Tomar decisões em situações e crise, como um vulcão em erupção ou uma crise financeira, não é o mesmo que tomar decisões quando buscamos inovação e aprendizado organizacional. Há modelos que podem ajudar a entender o que fazer em cada caso.

 

Esse é o segundo texto sobre processos decisórios, série iniciada com  Decisões, um bônus da liderança?.  A foto desse artigo é minha mesmo, de quando tive o imenso prazer de viver em Quito, no Equador. Por um momento vivemos em alerta amarelo, com esse lindo e monstruoso vulcão, o Cotopaxi, emitindo cinzas e rugidos, pronto para explodir, visível de minha janela. Nesse período haviam planos de contenção de crise, com regras específicas para tomada rápida de decisões no caso do pior ocorrer. Em paralelo trabalhávamos com inovação e decisões colaborativas – e não tão rápidas – em alguns projetos. Os 2 modelos coexistem,  são úteis e necessários. Entender quando usar cada um, e porquê, pode ser útil.

 

Lógica da Consequência versus Lógica do Apropriado

Esse texto explora um modelo no qual podemos ver um processo decisório através de duas perspectivas distintas. Lógica da Consequência ou Lógica do Apropriado. Para referência, já encontrei na literatura a primeira chamada de Lógica das Consequências e a segunda chamada de Lógica do Papel ou ainda, Lógica da Burocracia. Como comentado na introdução da série, nenhum modelo em especial soluciona todos os problemas, e provavelmente serão combinados adaptados para cada caso. Ainda assim conhecer tais modelos ajuda como ferramental para analisarmos as organizações de uma maneira mais precisa.

É bem simples:

Na Lógica da Consequência (ou dos Resultados): toma-se a decisão através de levar em consideração quais serão os resultados da mesma. Para isso avalia-se prós e contras, chances de sucesso de cada opção viável. Isso para todo o ecossistema e não apenas para aquilo que é esperado de seu papel. Normalmente esse tipo de lógica é mais comum em decisões mais colaborativas ou em ambientes de baixa hierarquia e alta autonomia, onde há espaço para discussões e análises de cenários.

 

Na Lógica do Apropriado (ou da Burocracia): toma-se a decisão com base no  que é esperado de acordo ao que é apropriado ao papel ou posição da pessoa tomando a decisão, às regras burocráticas associadas a tal papel. Isso pode ocorrer por uma formalidade processual (regras estritas ou burocráticas) ou mesmo por imperativos morais. Esse tipo de lógica é mais comum em lugares com mais hierarquia, ou em situações de baixa autonomia. Ou então em ambientes com fortes imperativos éticos ou morais.

 

Um exemplo hipotético e  simplista: Uma pessoa do governo está em uma situação de possibilidade de negociação com terroristas que estão sitiando um hospital. Quanto mais tempo se demora para liberar o hospital, mais pessoas deixam de ser atendidas.

  • Se essa pessoa opta por não negociar devido a analisar prós e contras e descobrir que o impacto ao deixar o hospital fora de funcionamento por mais tempo é muito alto, essa pessoa seguiu a Lógica da Consequência.
  • Se essa situação se dá em um país onde há uma regra clara de não negociação com terroristas, e ela decide não negociar porque isso é o correto a fazer, ou então esperado de sua função, sem analisar a situação em especifico, foi usada a Lógica do Apropriado.

 

 


Quando usar cada uma delas

 

Cada uma das lógicas tem forças e fraquezas, e há momentos nos quais uma se aplica melhor que outra.  Vou deixar estudos mais profundos para a literatura especializada e mostrar duas situações:

 

Há tempo para decisões elaboradas, e busca-se inovação, mudança ou aprendizado organizacional. Então a Lógica da Consequência é mais indicada.

Nessa situação, é mais comum trabalharmos com a Lógica da Consequência. Decisões seguindo essa lógica podem tomar muito tempo em análises de cenários, suas probabilidades, custos e impactos de cada um dos possíveis cenários.  Existem ferramentas para isso, como por exemplo as Árvores de Decisão, que não vou cobrir nesse texto, mas mostro um exemplo abaixo:

 

Árvore de decisão
Fonte http://web.tecnico.ulisboa.pt/ana.freitas/bioinformatics.ath.cx/

 

Outra possibilidade é trabalhar com processos mais colaborativos, como por exemplo as Arenas de Decisão. Quanto mais parte-se para processos menos burocráticos e mais baseados em colaboração ou discussão, mais se torna necessário que a liderança deixe muito claro objetivos, valores, princípios e restrições, para evitar divergência. Embora as decisões possam demorar mais tempo, a falta de regras “escritas em pedra” leva ao aprendizado organizacional e com isso a mais possibilidades de reinvenção e inovação.

 

Não há tempo para decisões elaboradas, e busca-se sair rapidamente de situações de crise ou voltar ao controle de algum  aspecto do negócio: então a Lógica do Apropriado  é mais indicada.

Quando não há muito tempo para análise muito profunda dos possíveis cenários e impactos e é necessário sair de uma situação de crise, estude a possibilidade de utilização da Lógica do Apropriado.  Por exemplo, a empresa está em dificuldade financeira e é necessário tomar medidas de redução de investimentos até passar essa fase, e rápido. Pode ser que seu papel nesse momento seja o de garantir o corte de custos, e as decisões devem partir dessa premissa. Pode ter havido uma quebra de segurança (seja física em suas instalações, ou virtual através de ataques cibernéticos). Talvez não seja o momento de elaborar inúmero cenários envolvendo inúmeras novas idéias e possíveis soluções, e passar semanas analisando suas probabilidades e consequências. Talvez o ideal seja assumir que é seu papel conter a situação e decidir por fechar as portas, puxar o cabo de rede, ou chamar a polícia ou o que mais fizer sentido no caso, usando a autoridade e a expectativa do que seria apropriado a seu papel.

Dashboards ou painéis de negócio, assim como indicadores,  ajudam a monitorar itens críticos que podem pedir decisões desse tipo.

Outras características importantes da Lógica do Apropriado para situações de crise são:

  • Ela blinda a pessoa que toma as decisões – até certo nível – de críticas, pois ao menos em ambientes muito burocráticos (como no exemplo do negociador com os terroristas lá do início do texto), a decisão é praticamente pré tomada, e não cabem  muitas opções. Já era esperado.
  • Ela é menos sujeita a vieses emocionais que podem surgir devido a alguns gatilhos durante uma crise.

 

Nem tanto ao céu, nem tanto à terra

Esses exemplos e parábolas são intencionalmente simplificados e anedóticos por questões de tamanho do texto, que mesmo sem entrar em análises de um cenário real (e portanto complexo) já fica grande. Na prática navegaremos por ambos os modelos em maior ou menor escala várias vezes. E na maioria dessas vezes a fronteira não será tão clara.  Pensar sobre esses modelos e qual faz mais sentido em que momento e em que papel na organização ao invés de ter apenas um tipo de tomada de decisão sempre é minha principal mensagem nesse texto.

 

Líderes de líderes, como posições de diretoria ou outras que desenham times de liderança, podem levar esse tipo de raciocínio em consideração ao montar suas equipes. Dependendo do momento e das necessidades da empresa, talvez pessoas com tendência para um dos perfis de decisão podem ser mais indicadas para determinados papéis.

 


 

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Referências: